O divertimento e a distração representam um enorme papel nos ritos da Igreja. A Igreja age por métodos teatrais sobre a vista, o ouvido e o olfato (o incenso!) e, através dele, age sobre a imaginação. Na humanidade, a necessidade de espetáculo - ver e ouvir qualquer coisa de não habitual e de colorido, qualquer coisa para além do acinzentado do cotidiano - é muito grande, é irremovível, e persegue-o desde a infância até a velhice. Para libertar as largas massas desse ritual, dessa religiosidade rotineira, a propaganda anti-religiosa não basta, embora seja necessária. A sua influência limita-se apenas a uma minoria ideologicamente mais informada. Se as largas massas não se submetem à propaganda anti-religiosa, não é porque sejam fortes os seus laços com a religião; é, pelo contrário, porque não tem nenhum vínculo ideológico, mantendo com a Igreja relações uniformes, rotineiras e automáticas, de que não tem consciência, como o basbaque que não recusa participar de uma procissão, ou uma solenidade faustosa, ouvir cânticos ou agitar as mãos. É esse ritualismo sem fundamento ideológico que, pela sua inércia, se incrustra na consciência, e do qual a crítica, por si só, não pode triunfar, mas que se pode desagregar por meio de novas formas de vida, por novas distrações, por uma nova espetaculosidade de efeitos culturais.
E aqui o pensamento volta-se, de novo, naturalmente, para o instrumento mais poderoso por ser o mais democrático: o cinema. Basta-lhe um pano branco para fazer nascer uma espetaculosidade muito mais penetrante do que a igreja, da mesquista ou da sinagoga mas rica ou mais habituada às experiências teatrais seculares. Na igreja apenas se realiza um ato, aliás sempre igual, ao passo que o cinema mostrará que na vizinhança ou do outro lado da rua, no mesmo dia e à mesma hora, se desenrolam simultaneamente a Páscoa pagã, judia e cristã. O cinema diverte, excita a imaginação pela imagem e afasta o desejo de entrar na igreja.
Tal é o instrumento que devemos fazer uso, custe o que custar.
TROTSKY. A VODKA, A IGREJA E O CINEMA. QUESTÕES DO MODO DE VIDA.